quarta-feira, 4 de abril de 2007

Mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial da Juventude 2006

Para quem não teve oportunidade de a ler...



“A Tua palavra é lâmpada para os meus pés,

E luz para o meu caminho” (Sl 119,105)

Queridos jovens! Ao dirigir-me com alegria a vós que vos estais a preparar para a XXI Jornada Mundial da Juventude, revivo na minha alma a lembrança das experiências enriquecedoras que tive na Alemanha no passado mês de Agosto. A Jornada deste ano será celebrada nas diferentes Igrejas locais e será uma ocasião oportuna para reacender a chama do entusiasmo despertada em Colónia e que muitos de vós levastes às próprias famílias, paróquias, associações e movimentos. Será, ao mesmo tempo, um tempo privilegiado para fazer participar a tantos amigos vossos na peregrinação espiritual das novas gerações para Cristo.


O tema que vos proponho é um versículo do Salmo 119 (118): “A Tua palavra é lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho” (v. 105). O amado João Paulo II comentou estas palavras do Salmo dizendo que “o orante se derrama em louvor à Lei de Deus, lei que toma como lâmpada para os seus pés no caminho muitas vezes obscuro da vida”. (Audiência geral de 14 de Novembro de 2001). Deus revela-se na história, fala aos homens e a sua palavra é criadora. Com efeito, o conceito hebraico “dabar”, habitualmente traduzido com o termo “palavra”, quer significar tanto palavra como acto. Deus diz o que faz e faz o que diz. No Antigo Testamento anuncia aos filhos de Israel a vinda do Messias e a instauração de uma “nova” aliança; no Verbo feito carne Ele cumpre as suas promessas. Isto é posto em evidência, também, no Catecismo da Igreja Católica: “Cristo, Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. N’Ele, o Pai disse tudo. Não haverá outra palavra além dessa” (n. 65). O Espírito Santo, que guiou o povo eleito inspirando os autores das Sagradas Escrituras, abre o coração dos crentes à inteligência de quanto estas contêm. O mesmo Espírito está activamente presente na celebração eucarística quando o sacerdote, ao pronunciar “na pessoa de Cristo” as palavras da consagração, converte o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo, para que seja alimento espiritual dos fiéis. Para avançar na peregrinação terrestre rumo à Pátria celeste, todos precisamos de nos alimentar da palavra e do pão da Vida eterna, inseparáveis entre si!


Os apóstolos acolheram a palavra de salvação e transmitiram-na aos seus sucessores como uma jóia preciosa guardada no seguro cofre da Igreja: sem a Igreja esta pérola correria o risco de se perder ou de se partir em pedaços. Queridos jovens, amai a palavra de Deus e amai a Igreja, que vos permite ter acesso a um tesouro de um valor tão grande, introduzindo-vos a apreciar esta riqueza. Amai e segui a Igreja, que recebeu do seu Fundador a missão de mostrar aos homens o caminho da verdadeira felicidade. Não é fácil reconhecer e encontrar a autêntica felicidade no mundo em que vivemos, no qual o homem é muitas vezes refém de correntes ideológicas que o levam, apesar de se crer “livre”, a perder-se nos erros e ilusões de ideologias aberrantes. É urgente “libertar a liberdade” (cfr. Encíclica Veritatis splendor, 86), iluminar a escuridão na qual a humanidade vai às cegas. Jesus mostrou como isso pode acontecer: “Se permanecerdes na minha Palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 31-32). O Verbo encarnado, Palavra de Verdade, nos torna livres e dirige a nossa liberdade para o bem. Queridos jovens, meditai muitas vezes a palavra de Deus, e deixai que o Espírito Santo seja o vosso mestre. Descobrireis, assim, que o pensamento de Deus não é o pensamento dos homens: sereis levados a contemplar o Deus verdadeiro e a ler os acontecimentos da história com os Seus olhos; saboreareis em plenitude a alegria que nasce da verdade. No caminho da vida, que não é fácil nem está isento de armadilhas, podereis encontrar dificuldades e sofrimentos e, por vezes, a tentação de exclamar com o Salmista: “Estou cansado de sofrer” (Sal 119, v. 107). Não vos esqueçais de acrescentar, juntamente com ele: “Senhor, fazei-me viver segundo a vossa palavra... A minha vida é um constante perigo, porém não me esqueço da vossa lei” (ibid., vv 107.109). A presença amorosa de Deus, através da sua palavra, é lâmpada que dissipa as trevas do medo e ilumina o caminho, também nos momentos mais difíceis.


Escreve o autor da Carta aos Hebreus: “A palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes; ela penetra até o ponto onde a alma e o espírito se encontram, e até onde as juntas e medulas se tocam; ela sonda os sentimentos e pensamentos mais íntimos” (4,12). É necessário tomar a sério a exortação de considerar a Palavra de Deus como uma “arma” indispensável na luta espiritual; ela age eficazmente e dá fruto se a aprendemos a escutar, para depois lhe obedecer. Explica o Catecismo da Igreja Católica: “Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria Verdade” (n. 144). Se Abraão é o modelo desta escuta que é obediência, Salomão revela-se, por sua vez, como um buscador apaixonado da sabedoria contida na Palavra. Quando Deus lhe propõe: “Pede-me aquilo que te posso conceder”, o sábio rei responde: “Concede ao teu servo um coração dócil” (1 Reis 3, 5.9). O segredo para ter um “coração dócil” é o de formar-se um coração capaz de escutar. Isto consegue-se meditando sem cessar a Palavra de Deus e permanecendo enraizados nela, mediante o esforço de a conhecer sempre melhor.


Queridos jovens, exorto-vos a adquirir intimidade com a Bíblia, a tê-la ao alcance da mão, para que seja para vós como uma bússola que mostra o caminho a seguir. Lendo-a, aprendereis a conhecer a Cristo. São Jerónimo observa, a este respeito: “O desconhecimento das Escrituras é o desconhecimento de Cristo” (PL 24, 17; cfr. Dei Verbum, 25). Um modo muito reconhecido para aprofundar e saborear a palavra de Deus é a lectio divina, que constitui um verdadeiro e apropriado itinerário espiritual em etapas. Da lectio, que consiste em ler e tornar a ler uma paisagem da Sagrada Escritura, tomando os elementos principais, passa-se à meditatio, que é como uma paragem interior, na qual a alma se dirige a Deus tentando compreender o que a sua palavra diz hoje para a vida concreta. Segue depois a oratio, que nos faz conversar com Deus em colóquio directo, e chega-se finalmente à contemplatio, que nos ajuda a manter o coração atento à presença de Cristo, cuja palavra é “lâmpada que brilha em lugar escuro, até que desponte o dia e se a estrela da manhã se levante em vossos corações” (2 Pe 1,19). A leitura, o estudo e a meditação da Palavra devem, depois, desembocar numa vida de coerente adesão a Cristo e aos seus ensinamentos.


Adverte o apóstolo Tiago: “Sede cumpridores da palavra, não vos limiteis a escutá-la, pois seria enganar-vos a vós mesmo. Quem ouve a Palavra de Deus e não a pratica, é como alguém que observa no espelho o rosto que tem desde o nascimento; observa-se a si mesmo e depois vai embora, esquecendo a própria aparência. Aquele que se aplica atentamente a considerar a lei perfeita que é a lei da liberdade, e nela perseverar, sem ser um ouvinte que se esquece mas que efectivamente a cumpre, esse encontrará a felicidade no seu modo de viver” (Tg 1,22-25). Quem escuta a palavra de Deus e a ela tem como uma constante referência coloca a sua existência sobre um fundamento sólido. “Todo aquele que escuta as minhas palavras e as põe em prática – disse Jesus – será como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha” (Mt 7,24): não cederá às intempéries.


Construir a vida sobre Cristo, acolhendo com alegria a palavra e colocando em prática os ensinamentos: eis, jovens do terceiro milénio, qual deve ser o vosso programa! É urgente que surja uma nova geração de apóstolos enraizados na palavra de Cristo, capazes de responder aos desafios do nosso tempo e dispostos a difundir o Evangelho por todo o mundo. Isto vos pede o Senhor, a isto vos convida a Igreja, isto o mundo – mesmo sem o saber – espera de vós. E se Jesus vos chama, não tenhais medo de responder-lhe com generosidade, especialmente quando vos propõe de O seguir na vida consagrada ou na vida sacerdotal. Não tenhais medo; confiai nEle e não se ficareis desiludidos.


Queridos amigos, com a XXI Jornada Mundial da Juventude, que celebraremos no próximo dia 9 de Abril, Domingo de Ramos, empreenderemos uma peregrinação ideal até ao encontro mundial dos jovens, que acontecerá em Sydney, no mês de Julho de 2008. Preparar-nos-emos para este grande encontro reflectindo juntos sobre o tema O Espírito Santo e a missão, através de etapas sucessivas. Neste ano concentraremos a atenção no Espírito Santo, Espírito da Verdade que nos revela Cristo, o Verbo feito carne, abrindo o coração de cada um à Palavra de salvação, que conduz à Verdade total. No próximo ano, 2007, meditaremos sobre um versículo do Evangelho de São João: “Como eu vos amei, assim amai-vos também uns aos outros” (13,34) e descobriremos ainda mais profundamente como o Espírito Santo é Espírito de Amor, que infunde em nós a caridade divina e nos torna sensíveis às necessidades materiais e espirituais dos irmãos. Chegaremos, finalmente, ao encontro mundial de 2008, que terá como tema “Recebereis a força do Espírito Santo, que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas” (Act 1,8).


Desde agora, num clima de incessante escuta da palavra de Deus, invocai, queridos jovens, o Espírito Santo, Espírito de fortaleza e de testemunho, para que vos torne capazes de proclamar sem temor o Evangelho até aos confins da terra. Maria, presente no Cenáculo com os Apóstolos à espera do Pentecostes, vos seja mãe e guia. Que Ela vos ensine a acolher a palavra de Deus, a conservá-la e a meditá-la nos vossos corações (cfr Lc 2,19) como Ela o fez durante toda a sua vida. Que Ela vos encoraje a dizer o vosso “sim” ao Senhor, vivendo a “obediência da fé”. Que Ela vos ajude a serdes firmes na fé, constantes na esperança, perseverantes na caridade, sempre dóceis à palavra de Deus. Acompanho-vos com a minha oração, e vos abençoo de todo o coração.


Vaticano, 22 de Fevereiro de 2006, Festa da Cátedra de São Pedro Apóstolo.


Papa Bento XVI

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